[Folha de São Paulo] ‘Sonic 2’ é exploração enfadonha do universo do protagonista do game

Pedro Strazza de Azevedo
3 min readJul 19, 2022

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Cenas de comédia insossas são as melhores por falta de opção e reforçam o quão deslocado o herói está na própria aventura

Lançado em 1992, “Sonic 2” é um jogo importante na história da Sega. Ainda que o antecessor seja um marco para o estabelecimento do Genesis no mercado, a continuação foi um fenômeno de vendas e ajudou a empresa a bater de frente por um momento com a Nintendo, até então todo-poderosa do mercado de games.

Para além do hype, o sucesso também foi fruto de uma campanha de divulgação milionária do lançamento global, feito sem precedentes na época e com direito a um nome marcante: a Sonic 2sday.

Trinta anos depois, a Sega lança agora junto da Paramount um novo “Sonic 2”, continuação da primeira adaptação do personagem para o cinema feita em 2020. A coincidência do aniversário foi lembrada pela produção, que reproduziu a capa do jogo nos cartazes, mas ilustra em algum nível o quanto jogo e filme se equivalem em proposta. Em ambos, busca-se mais do original em escala maior, custe o que custar.

No caso do longa-metragem dirigido por Jeff Fowler, isso significa uma reprodução pouco discreta do que já foi visto no anterior, ainda que dessa vez pese a expectativa do público na equação. Apesar do sucesso com o espectador (é a maior bilheteria da história para um filme inspirado em um jogo), “Sonic: O Filme” ficou marcado pelas mudanças visuais do protagonista durante a divulgação, depois que o trailer foi muito mal recebido pelos fãs. O lançamento até chegou a ser adiado para cumprir tal tarefa.

Desta vez, a continuação adianta essa lógica para todos os aspectos de criação. A impressão maior é de que o filme prioriza a “entrega” para os fãs, em satisfações que vão dos visuais fiéis aos acenos à mitologia da franquia na trama. Entre o primeiro e segundo capítulos, inclusive, a grande diferença parece ser a exploração enfadonha do universo de Sonic, destacado no passado do personagem Knuckles, que já tem série própria confirmada no Paramount+.

Em termos de narrativa, porém, o filme preserva parte da comédia inocente que parece ter definido o sucesso do primeiro, em especial a noção de espelhar a esperteza ingênua do herói nos rumos da história.

A questão é que a sequência busca repetir a fórmula numa escala bem mais ambiciosa, típica dos blockbusters e distante da comédia de relações do original. Além do clímax cheio de destruição, o maior sinal é o distanciamento dos personagens humanos da história, em especial James Mardsen e Tika Sumpter.

Enquanto Sonic luta contra Robotinik (Jim Carrey) e Knuckles pela posse da tal Esmeralda do Caos, o casal passa boa parte da trama numa viagem no Havaí para um casamento de amigos. Carrey, enquanto isso, contracena sozinho com os seres animados, mais artificial do que nunca.

A festa até tem importância no filme mais para frente, mas seu uso atesta o quanto a produção se perde nessa questão de tamanho. Repete-se a lógica de cenas do original em ambientações diferentes na expectativa de que cumpram o mesmo efeito, mas a gravidade dos atos impede o humor dos personagens de fazer o seu trabalho. A comédia, por outro lado, desarma a narrativa de propósito.

O resultado é tão esquizofrênico quanto a escala dos eventos, com direito a templo subaquático que revela labirinto ainda maior no interior e lutas apoteóticas em terrenos gigantescos que soam equivalentes a brigas de estacionamento de tão mal encenadas. As cenas de comédia insossas do casamento são as melhores por falta de opção, mas não animam o filme e reforçam o quão deslocado o protagonista está na própria aventura.

Nesse sentido, “Sonic 2” se equipara a “Uncharted”, outro lançamento recente do circuito baseado em games de sucesso. Nos dois filmes, prevalece a noção maior de assepsia da criação, das tramas genéricas parafraseadas de outros sucessos às narrativas desprovidas de inspiração maior, com o tributo aos games em primeiro lugar.

Tudo isso norteado de novo pela prestação de contas aos fãs, mas as referências maduras nos diálogos e visuais entregam o problema. “Sonic 2” é um filme infantil que mira o prazer maior dos adultos, e não no bom sentido.

Originalmente publicado na Folha de São Paulo em 07/04/2022: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/04/sonic-2-e-exploracao-enfadonha-do-universo-do-protagonista-do-game.shtml

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Pedro Strazza de Azevedo

Jornalista, repórter da Ilustrada e autor do Aventuras no Cinema. Ex-editor-chefe do B9, já colaborou para Omelete, Tangerina, Sesc e o podcast Cinemático.