Melhores do ano: 2023

Pedro Strazza de Azevedo
28 min readDec 30, 2023

--

A terra arrasada

Nunca contemplamos tanto o fim do mundo quanto em 2023. Em particular dentro da sala de cinema, que existiu sob a sombra de um eterno apocalipse.

Quantas histórias sobre infernos públicos e pessoais foram vistas este ano? Quantos cenários apocalípticos foram encarados? Quantos terrores se materializaram em visões terríveis que nos assombraram nas noites seguintes?

A sensação é de que os filmes se encarregaram de levar para a frente a ideia de que o cinema morreu com a morte de Jean-Luc Godard. Uma terra arrasada, e como Prometeu somos obrigados a contemplá-la de novo e de novo a cada dia que passa.

Ao mesmo tempo, nunca se assistiu tanta coisa boa quanto em 2023, e o futuro não parece mais tão assombroso quanto antes. Do meu lado, montar essa lista de fim de ano foi difícil. A safra foi muito boa, o que pode indicar que gozamos de uma tragédia o quanto for possível — o que faz bastante sentido, convenhamos.

O horizonte é belo e as águas estão calmas. Nós passamos por um renascimento, mas há algo que ainda nos perturba — e esse algo vem de dentro.

O Melhores do Ano mantém os critérios de sempre. Os filmes escolhidos foram lançados nos últimos três anos — desta vez, entre 2021 e 2023 — e vistos aqui no intervalo de tempo entre a publicação desta lista e a do ano passado — ou seja, entre 30 de dezembro de 2022 e 30 de dezembro de 2023. Em quantidade, são 50 filmes na seção principal e outros 25 colocados como destaques. A de séries, este ano, fico devendo.

Para embalar a leitura, organizei a playlist abaixo, um compilado de trilhas e canções que foram ouvidas durante o ano em alguns dos inúmeros lançamentos do cinema e do streaming — que podem estar ou não presentes nas listas. Há a versão abaixo para o Apple Music e esta aqui para o Spotify.

Por fim, sobre os piores do ano: sim, aposentei. Em 2022 eu já tinha feito a lista com algum desconforto, em especial pela crueldade desnecessária. Se o filme é ruim, não há motivo em relembrá-lo numa ocasião como esta; a lata de lixo e a cotação de uma estrela já são suficientes.

Enfim, aos trabalhos. Começando por uma menção especial.

Hors-Concours: A Incrível História de Henry Sugar, O Cisne, O Caçador de Ratos e Veneno, de Wes Anderson

Os quatro curtas-metragens que Wes Anderson dirigiu para a Netflix são uma pequena incógnita em qualquer lista de fim de ano. Eu pelo menos tentei de todas as formas: uma seção de curtas me pareceu um exagero (não vi o suficiente para uma operação do tipo) e incluir no ranking principal soou como uma exceção desonesta.

O principal problema, porém, é que estes quatro filmes seguem uma lógica muito própria até mesmo no modelo de distribuição da plataforma, que poderia muito bem considerá-los uma minissérie. O lançamento diário dos curtas reforçam o ritmo particular pensado pelo diretor, que adapta os contos de Roald Dahl ao pé da letra. É como se Anderson criasse uma instalação dentro do digital: durante quatro dias, Ralph Fiennes e o resto do elenco declamou Dahl em um sarau de um teatro modernista.

A melhor solução então é esta menção honrosa, que contempla essas produções como um projeto único. Sozinhos, cada um destes curtas revela uma faceta diferente da obra de Dahl e leva o cinema de Anderson a novos limites, com resultados bastante variáveis. Juntos, a antologia é uma obra fascinante, partindo de uma encenação rígida e teatral do texto para encontrar a máxima potência do trabalho do autor — seja ele o escritor ou o cineasta. Cinema em sua melhor forma, portanto.

Está na Netflix.

Destaques do ano

25 filmes que foram considerados e que quase entraram na lista, organizados por ordem alfabética.

  • All the Beauty and the Bloodshed, de Laura Poitras
  • Barbie, de Greta Gerwig (na HBO Max)
  • The Blackening, de Tim Story (no aluguel digital)
  • Boogeyman: Seu Medo É Real, de Rob Savage (no Star+)
  • Desaparecida, de Nicholas D. Johnson e Will Merrick (na HBO Max)
  • Dicks: The Musical, de Larry Charles
  • Doce e Sangrento, de Lokesh Kanagaraj (na Netflix)
  • Dungeons and Dragons: Honra entre Rebeldes, de John Francis Daley e Jonathan Goldstein (no Globoplay e na Paramount+)
  • Emily, a Criminosa, de John Patton Ford (no Globoplay)
  • Entre Mulheres, de Sarah Polley (no Prime Video)
  • Um Espião Compassivo, de Steve James (entrevista com o diretor)
  • A Morte do Demônio: A Ascensão, de Lee Cronin (na HBO Max)
  • Na Água, de Hong Sang-soo
  • Ninguém Vai te Salvar, de Brian Duffield (no Star+)
  • Um Príncipe, de Pierre Creton
  • Que Horas Eu te Pego?, de Gene Stupnitsky (na HBO Max, crítica)
  • Os Rejeitados, de Alexander Payne (nos cinemas em janeiro)
  • Meu Amigo Robô, de Pablo Berger (nos cinemas em janeiro)
  • Sanctuary, de Zachary Wigon (no aluguel digital)
  • Shin Kamen Rider, de Hideaki Anno (no Prime Video)
  • Suzume, de Makoto Shinkai
  • Toc Toc Toc: Ecos do Além, de Samuel Bodin (no aluguel digital)
  • Verdades Dolorosas, de Nicole Holofcener (no aluguel digital)
  • Vidas Passadas, de Celine Song (nos cinemas em janeiro)
  • Viver, de Oliver Hermanus (na HBO Max)

50) Oppenheimer, de Christopher Nolan

A via crúcis é irresistível: depois de passar os últimos anos perseguindo suas obsessões, Christopher Nolan faz um filme sobre um homem que destrói o mundo para satisfazer a própria sede. Oppenheimer é massivo no melhor sentido: são três horas de tensão acumulada, construídas em conversas que alimentam o bate e rebate da linha do tempo e a performance dos atores. Tudo isso partindo da lógica elementar de botar a câmera no rosto de Cillian Murphy para tirar o máximo de suas reações. A cinebiografia não reinventa a roda, mas é um cinemão hollywoodiano na máxima potência, algo que sempre me pareceu o caminho óbvio para as vocações maximalistas do cinema de Nolan — e como é bom ver o diretor com algum rumo, mínimo que o seja.

Escrevi sobre o filme aqui, aqui, aqui e aqui. Está no aluguel digital.

49) Incompatível com a Vida, de Eliza Capai

O documentário de Eliza Capai intriga em dois níveis distintos. O primeiro, mais imediato, é o longo relato que ela faz da histórias das entrevistadas e de si mesma, em que opera a dor da perda da gestação e todas as consequências do processo. O segundo, mais subjetivo, é como a diretora situa essa perda, tomando o cuidado de evitar a instrumentalização dos relatos. Incompatível com a Vida faz dessas feridas particulares uma meditação coletiva do enclausuramento que cada um abraçou à sua maneira nos últimos quatro anos, em especial na quarentena. A experiência é doída, e poucos filmes recentes conseguiram essa duplicidade entre público e privado sem se deixar trair na ambição.

Conversei com a diretora. Está na Mubi.

48) Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho

Kleber Mendonça Filho faz um filme propositalmente pequeno, feito no rescaldo de Bacurau e na espera do seu projeto com Wagner Moura, para entender a perda do senso de coletividade pública — sem esquecer a própria perspectiva nisso. As três partes que formam Retratos Fantasmas ilustram com precisão o caminho do diretor com o tema: ele parte da casa da mãe, um espaço muito pessoal, para alcançar os cinemas do centro histórico de Recife, que proporcionaram uma mesma identidade sentimental antes do avanço do tempo. As pequenas divagações dessa rota de corrosão fazem o filme, até porque é nelas que moram as preocupações — e o cinema — de Kleber.

Está na Netflix.

47) Culpa e Desejo, de Catherine Breillat

Nada é mais arriscado que despir uma história de pedofilia do moralismo mais imediato para explorar um jogo de poder sentimental, então acho seguro dizer que Catherine Breillat tira um filme e tanto aqui. Em especial porque Culpa e Desejo existe o tempo todo no limite de uma lógica formal resguardada, tensionando os dois personagens para ir do prazer do sexo até o domínio da própria história. Deixo aos que viram o original dinamarquês a tarefa de debater o que sai disso, mas do meu lado foi divertido demais ver o filme em uma sessão com bom público — a sensação de gelo na alma imediato da plateia ao ver a primeira cena mais quente é inesquecível.

46) I Like Movies, de Chandler Levack

Predestinação é uma desgraça porque o conceito não existe na vida real, mas todo mundo passa por ela mesmo assim. No hall imenso de protagonistas insuportáveis de 2023, o Lawrence de I Like Movies talvez seja o mais trágico porque seu perfil irritante surge de um desejo comum: ele quer viver por aquilo que mais ama no mundo, os filmes que assiste. Daí em diante o longa de Chandler Levack constrói uma história de amadurecimento às avessas que mais estropia que beneficia o personagem, de olho em detalhes muito específicos sobre a forma como a cultura era consumida no começo dos anos 2000. Enquanto Lawrence bota tudo a perder na locadora em que trabalha, I Like Movies atinge com precisão a dor universal de descobrir que você é muito mais comum do que aparenta.

45) How to Blow Up a Pipeline, de Daniel Goldhaber

O termo “agitprop” foi muito usado para definir este thriller de Daniel Goldhaber, sobre um grupo de jovens que decide resolver com as próprias mãos a hipocrisia da discussão climática. Por mais que a definição se aplique — ele no mínimo instiga o público a abraçar a causa — , acho mais interessante como o filme encena a história apenas por seu viés operacional, e com grande efeito. A lenta construção da situação, do passado imediato daqueles personagens e, claro, dos problemas em querer explodir a tubulação de uma refinaria de óleo fazem todo o suspense da produção — só na cena da queda do barril já dá para sentir o triunfo da execução.

44) Eo, de Jerzy Skolimoski

Skolimoski refaz o percurso de A Grande Testemunha nos tempos da crise europeia. A experimentação visual é a maior atração de Eo, mas o filme se faz mesmo na cumplicidade que cria com aquele burrinho. O drama pula de humano a humano e situação a situação até seu desfecho inevitável.

Está na Mubi.

43) Loop Track, de Thomas Sainsbury

O cinema da Nova Zelândia exportou tanta comédia nesses últimos anos que se esquece que o país também tem sua cota de terror… produzida por comediantes. Thomas Sainsbury prova ter um bom olho para comportamento humano neste Loop Track, que parte da jornada de um homem para combater as próprias fobias sociais durante uma trilha. A reta final é dessas coisas mágicas e inexplicáveis que só o cinema tem, mas antes disso há uma destilação fabulosa de acidez contra a famosa gentileza dos neozelandeses, uma crítica que vai do humor ao horror em minutos.

42) Saint Omer, de Alice Diop

Ser mãe é ser quimera. Todos os merecidos elogios feitos ao filme de Alice Diop à parte — embora por aqui ele tenha saído da maneira mais discreta possível — , Saint Omer me fascina pela lógica simples. A narrativa existe apenas no testemunho da acusada, em meio ao bombardeio de perguntas dos advogados, e na reação da escritora, que busca um livro enquanto passa pelas próprias questões. Um longa inteiro construído em plano e contraplano, ou seja, sobrepondo as duas partes para chegar a uma conclusão de imensos desdobramentos.

Está no Globoplay, dentro da aba do Telecine.

41) Tiro Certo, de James Nunn // 40) Fogo-Fátuo, de João Pedro Rodrigues

Tiro Certo e Fogo-Fátuo não poderiam estar mais distantes enquanto filmes, mas se aproximam na proposta: usar o corpo para alcançar o político. Enquanto o de James Nunn usa isso para movimentar a ação, fazendo dos crimes de guerra americanos um grande playground — sacramentado no truque do plano-sequência único— , o de João Pedro Rodrigues parte do musical para navegar as agruras políticas de Portugal em um romance trágico. Nos dois trabalhos, a abordagem do gênero pavimenta prazeres muito imediatos e que reverberam temas conhecidos. Tudo isso saindo da coreografia, do balé humano que filtra a atração masculina — heterossexual pelo militarismo e seus tiroteios, homossexual pelos bombeiros e seu erotismo.

Tiro Certo está no Globoplay.

39) A Memória Infinita, de Maite Alberdi

Memória como luta política. Maite Alberdi aqui lida com diferentes desafios de produção para construir um filme que contemple a vida do casal, a trajetória de ambos e o passado da ditadura chilena, e se sai muito bem em todas as frentes. O segredo aqui é confiar nas lembranças não só como recurso narrativo, mas como um espaço de amor — o que soa cafona escrito desse jeito, se não fosse um excelente contraponto à crueldade fria representada nos militares de Pinochet.

Está no Paramount+.

38) Leme do Destino, de Júlio Bressane

Falando em paixão e corpos, Leme do Destino traz a melhor das forças do cinema de Júlio Bressane dentro de uma trama — se é que se pode classificar dessa forma — sobre duas mulheres que se apaixonam com intensidade até o momento em que se afastam. Como em Beduíno, o lirismo garante uma experiência e tanto na sala de exibição.

37) A Besta, de Bertrand Bonello

Adaptar Henry James, por si só, já parece um trabalho difícil. Bertrand Bonello, diante da tarefa de traduzir A Fera na Selva, resolve investir no acúmulo, multiplicando a história para três épocas diferentes a partir dos mesmo dois atores — Léa Seydoux e George MacKay. No meio do caminho, a seção no futuro decide excursionar pelo tema da inteligência artificial, enquanto a do presente lida com as redes sociais. Tudo dá a entender o fracasso iminente, mas o resultado é bem o oposto porque A Besta, em todo o excesso, encontra alguma razão em nossos terrores mais irracionais no mundo de hoje. Fora isso, há de se dizer: Louis, que personagem.

36) Yannick, de Quentin Dupieux

A arte atende a o quê, exatamente? A pergunta simples conduz esse experimento de Quentin Dupieux, um filme sobre um espectador que cansa de assistir a uma peça ruim e decide consertar a situação da pior forma possível. A comédia de constrangimento é deliciosa — os atores do elenco da montagem se divertem muito — , mas o protagonista de Yannick e suas reações finais que tornam a obra em algo notável.

35) Propriedade, de Daniel Bandeira

Daniel Bandeira teve o azar de ver Propriedade sair muito tempo depois de Bacurau — até onde sei, os projetos vem da mesma seara criativa — e é de fato impossível se desvencilhar do filme de Kleber Mendonça Filho na sessão. Mas Propriedade, em sua trama dos funcionários de uma fazenda que se revoltam com o dono, se destaca por traduzir nas telas a sensação perene de que o tempo do diálogo já passou — algo que de tempos em tempos se manifesta de novo no país, em especial nos últimos cinco ou seis anos. O melhor de tudo é que o filme trabalha isso na chave da perversidade, sacramentado no vidro blindado que impede o diálogo e a visão entre as partes, mas presente ali nos momentos mais terríveis. O gozo nas cenas de violência comprova de vez que faltava algo como Propriedade na nossa produção de hoje.

Está nos cinemas.

34) Missão: Impossível — Acerto de Contas Parte Um, de Christopher McQuarrie

Tom Cruise segue determinado em seu grande pronunciamento cinematográfico sobre Hollywood, e este Missão: Impossível não está distante do que foi feito em Top Gun: Maverick e Efeito Fallout — em especial por já ensaiar um fim à jornada quase suicida do ator. Mas Acerto de Contas é uma experiência mágica porque se presta ao espetáculo analógico como nunca, dentro de uma série de destruições que passeiam entre a comédia e o suspense. Christopher McQuarrie, o parceiro de todas as horas, segue elegante em sua relação simbiótica com Cruise, e dessa vez a dupla também sabe fazer um circo com o grande elenco à disposição.

Está no aluguel digital.

33) Godzilla Minus One, de Takashi Yamazaki // 32) Brooklyn 45, de Ted Geoghegan

Que a guerra é ruim todos nós sabemos, mas o que fazer dos veteranos? Entre as suas muitas surpresas, 2023 ofereceu dois filmes de perspectivas opostas sobre os conflitos da primeira metade do século 20, dedicadas aos soldados que viram de perto o horror do combate. O Godzilla de Takashi Yamazaki persegue o tema pela ótica do melodrama dentro do filme de monstro, em uma trama que lida com os efeitos da derrota nos soldados que foram instruídos a morrer pela vitória. Já Brooklyn 45, de Ted Geoghegan, é um cabin fever passado em um apartamento de veteranos na época do fim da Segunda Guerra, onde a fervura vem do trauma de tratar tudo e todos como uma ameaça ao sistema. Eu prefiro um pouco mais o segundo ao primeiro, mas o que importa aqui é como ambos chegam às dores do soldado flertando com as pulsões que restam em seus seres. Assim, desperta-se o maligno para — quem sabe — curar as feridas abertas.

Godzilla Minus One está nos cinemas.

31) Capitu e o Capítulo, de Júlio Bressane

É como ler Dom Casmurro pela primeira vez de novo. Nas mãos de Bressane e nos braços de Capitu, Mariana Ximenes faz o melhor trabalho da carreira.

30) Isolamento Mortal, de John Hyams

Para onde vai a raiva represada da época da pandemia, agora que superamos de vez o momento? Até que demorou para sair algo como este Isolamento Mortal, um slasher situado na quarentena e que leva no seu cerne todo o descontentamento individual da época. O bom do atraso é que deu tempo dele acontecer pelo casamento impensável da direção de John Hyams com o texto do roteirista Kevin Williamson, dois nomes que trabalham com uma ira internalizada similar e com uma abordagem mais pé no chão. O filme tem lá seu quê de reacionarismo, mas funciona como uma sessão de exorcismo de sentimentos ruins de um passado ainda bastante presente.

Está no Globoplay, dentro da aba do Telecine.

29) Elementos, de Peter Sohn

A Pixar segue em uma toada interessante de filmes após a demissão de John Lasseter e sob a liderança de Pete Docter. Elementos, embora cravado como o fim do estúdio, é muito elegante como uma comédia romântica sobre o descompasso interno do imigrante, um puxa e repuxa nada estranho ao gênero e que só ganha na ambientação dos elementos naturais. O filme é um salto para alguém como o diretor Peter Sohn, que vem de O Bom Dinossauro, sobretudo pela quantidade de imagens tocantes que encontra a partir dessa mistura.

Escrevi sobre o filme. Está no Disney+.

28) Crônica de uma Relação Passageira, de Emmanuel Mouret

Uma comédia romântica sobre um adultério parece tudo menos algo produtivo, mas Emmanuel Mouret faz dessa premissa um belo ensaio sobre a efemeridade do amor. Ajuda nessa hora ter Vincent Macaigne, o hipocondríaco oficial da França, que junto da atriz Sandrine Kiberlain constrói toda uma história passada nos intervalos do cotidiano. Crônica de uma Relação Passageira também sabe ser engraçado, e a cena da noite do ménage deve estar na lista das cenas mais divertidas dos últimos anos.

27) Anatomia de uma Queda, de Justine Triet

Um clichê desde o anúncio em Cannes, a Palma de Ouro deste ano é uma consagração ao cinema de Justine Triet. O filme de tribunal é o palco ideal para a diretora exercer o seu cinema de pequenas ficções, e Anatomia de uma Queda encontra seus melhores momentos no grande julgamento de versões e impressões que as partes fazem da acusada. O fato de ser um ambiente mais controlado que o do filme anterior, Sybil, me refreia um pouco do entusiasmo com o longa, mas como resistir diante da atuação de Sandra Hüller? O humor de Triet também segue mordaz, o que ajuda a narrativa a encontrar um ritmo próprio dentro de um gênero que sem esforço se acomoda no convencional.

Nos cinemas em janeiro.

26) Los Colonos, de Felipe Gálvez

Quem disse que queremos entrar para a história? O chileno Los Colonos divide com os argentinos Azor e Argentina, 1985 um mesmo gosto por exumar os esqueletos no armário da história latino-americana a partir do filme de gênero — o que é curioso, considerando a presença de Mariano Llinás, roteirista desses outros dois projetos, no elenco. O faroeste de Felipe Gálvez mete o dedo na ferida com bastante violência, registrando o genocídio indígena pelos colonizadores em um filme de travessia que está mais para uma descida aos confins do inferno. A proximidade da obra com Assassinos da Lua das Flores só ressalta a perspectiva dos oprimidos que assume, e nisso o desfecho não poderia ser mais pernicioso.

Nos cinemas em janeiro.

25) Mato Seco em Chamas, de Adirley Queirós e Joana Pimenta

Se Propriedade é sobre o que nos tornamos, Mato Seco em Chamas mostra o que somos. A diferença é mínima, mas importante para um filme que entende o governo passado como apenas um elo estrebuchado da longa corrente de opressão que forma o país. Adirley Queirós e Joana Pimenta atingem o sublime tanto na crítica ao momento quanto na de raiz histórica, dentro de um registro bastante ofensivo de acuamento. O filme é um milagre, assim como a continuidade do espaço e da comunidade em que se situa.

Está no Globoplay.

24) Em Nossos Dias, de Hong Sang-soo

Hong faz um filme sobre a própria filosofia de vida — e de cinema, portanto. Vindo de O Filme da Escritora, o díptico da vez do diretor ganha ainda mais ternura, em especial por se aprofundar no que os pequenos momentos e os mínimos gestos oferecem à rotina.

23) As Garotas Estão Bem, de Itsaso Arana

Um desejo impossível para 2024: que as pessoas falem tanto sobre As Garotas Estão Bem quanto conversaram sobre Entre Mulheres este ano. A comparação besta surge do paralelo de dois filmes de diretoras atrizes sobre grupos de mulheres em espaços teatrais, mas enquanto o belo trabalho de Sarah Polley se faz no discurso, o de Itsaso Arana ganha força na casualidade. As protagonistas de As Garotas Estão Bem, uma equipe que ensaia para uma peça no campo, aos poucos revela no trabalho da montagem o propósito do filme de renovar o sentido do feminino no mundo contemporâneo. O contraste clássico entre o campo e o teatro ajuda, mas são as trocas das personagens que tornam o filme em algo suspenso no tempo e, ao mesmo tempo, colado ao presente.

22) Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese

Eu confesso que não sei o que mais pode ser dito de Assassinos da Lua das Flores. Se vale de algo, o interessante aqui é como Martin Scorsese repete de O Irlandês a lógica do filme de tumba, usando a longa duração para erguer as quatro paredes que irão enterrar o protagonista. O que muda é a distância do autor do relato que faz, algo que o diretor reconhece como parte do aparato que ele e o público exploram sem pensar duas vezes. Peço perdão pela palavra, mas que final, puta merda.

Está no aluguel digital.

21) Sem Ursos, de Jafar Panahi

Ainda na distância entre autor e tema, Sem Ursos está aí como peça máxima de um processo que Jafar Panahi vem vivendo de maneira dolorida há anos. O fato do diretor conseguir liberdade da prisão e rumado ao exílio depois do filme só amplifica o peso desta obra filmada na Turquia, que se encarrega de trazer à tona o descompasso do cineasta iraniano com o país que construiu a vida e o seu cinema.

Está no Globoplay.

20) O Melhor Está por Vir, de Nanni Moretti

Nanni Moretti está cansado, e resolve fazer um filme luminoso sobre estar cansado. O Melhor Está por Vir tem uma relação estranha com o passado: ao mesmo tempo que é um refúgio emocional ao eu lírico do diretor, no filme que produz e nos valores que se agarra, o longa nunca trata o que veio antes como uma nostalgia por si só. Sai daí uma narrativa forte sobre o puxa e repuxa com as mudanças do tempo, sacramentada na comédia de velho ranzinza e no drama de aceitação. Algumas cenas engraçadíssimas — a da reunião com a Netflix, em particular — permeiam uma inusitada trama felliniana de Moretti.

Nos cinemas em janeiro.

19) O Assassino, de David Fincher

O mundo do trabalho anda impessoal demais até para um niilista como David Fincher. O Assassino rendeu todo tipo de paralelo com a carreira e a figura do seu diretor, bem como as comparações óbvias com a obra de Jean-Pierre Melville, e no fundo tudo isso parece ser parte da superfície muito bem arranjada do suspense. O que é engraçado, considerando o quanto Fincher se diverte com a lógica mais imediatista da história para encontrar o tema que deseja. O filme talvez seja sobre burnout, talvez seja uma lenta espiral de desespero sobre as circunstâncias atuais. O que importa mesmo é que ele faz valer a ideia de que a vida não está fácil até mesmo para quem busca a desconexão acima de tudo.

Está na Netflix.

18) The Caine Mutiny Court-Martial, de William Friedkin

O sistema sempre se protege. Quis o destino que a saideira de William Friedkin fosse esta nova versão da peça de Herman Wouk e, com a devida distância da notícia da sua morte, essa casualidade foi certeira. The Caine Mutiny Court-Martial destila toda a ira de um cineasta que construiu boa parte da carreira em torno disso, coroada em um desfecho que perdoa ninguém. A narrativa ainda é muito precisa na escalada de tensão e se beneficia de grandes performances de gente como Jason Clarke e Kiefer Sutherland, muito dispostos na gestualidade teatral que só o espaço do tribunal oferece.

17) Folhas de Outono, de Aki Kaurismäki

Amar no fim do mundo é respirar em um mundo de eterno trabalho e desesperança. Aki Kaurismäki entende como ninguém as agruras do trabalhador e o tipo de cinema que desempenha, e isso mais do que basta em um momento como esse da história do planeta.

Está nos cinemas.

16) Maestro, de Bradley Cooper // 15) Priscilla, de Sofia Coppola

Eu odeio que eu te amo. Tanto Maestro quanto Priscilla são cinebiografias que rejeitam os compromissos mais urgentes do formato em favor de registros emocionais de seus protagonistas, nesse caso dois casais cujo amor é tudo menos saudável. Cada um dos filmes percorre caminhos distintos —Bradley Cooper no jogo de poder entre Bernstein e Felicia Montealegre, Sofia Coppola na objetificação de Priscilla pelas mãos de Elvis — , mas encontra a mesma prisão emocional que acomete os protagonistas a seus pares, sem esquecer que o que move tudo é a paixão obsessiva de um pelo outro — uma submissão intragável, se preferir. Dentro de tudo isso, existem ainda quatro atuações muito fortes e que aproveitam o melhor dessa proposta, que é nada fácil. O mais interessante? Os dois filmes trazem perspectivas opostas para uma mesma balança, a do traído e a do traidor.

Entre os dois, dou leve dianteira a Coppola pela forma perniciosa que ela constrói a gaiola de Priscilla Presley, uma transformação que passa pelo objeto e o signo materno. Mas Maestro também é um espetáculo e tanto, sobretudo em como ele tece a implosão emocional de Bernstein com todo o teatralismo que tem direito. O fato de ambos gerarem reações divididas e muito raivosas só dá um sabor extra ao caldo — antes a perturbação que o gesso imóvel da História, gosto de pensar.

Maestro está na Netflix. Priscilla está nos cinemas.

14) Bom Dia à Linguagem, de Paul Vecchiali

Se Friedkin nos deixou atirando para todo lado, Paul Vecchiali teve a chance de se despedir com propriedade. Bom Dia à Linguagem funciona como um filme de embates, da trama de pai e filho se reconciliando até o acerto de contas gradual do diretor com a sua arte. O filme é feito para desmontar o público, em especial aqueles que — independente do contexto — acompanharam a jornada de Vecchiali. Eu acho que sempre há alguma ternura na tristeza, e desse conforto o diretor tira um filme inteiro para dizer adeus.

Escrevi sobre o filme.

13) Rapito, de Marco Bellocchio

Vi bastante, mas não o suficiente para argumentar que Rapito é o primeiro filme de terror de Marco Bellocchio. Mas essa sensação permeia todo o longa, que faz dessa abdução de crianças pelo papado um horror inteiro de deslocamento entre o eu e sua identidade. A crítica histórica vem com naturalidade a partir daí, ainda mais em um desfecho tão virulento.

12) Master Gardener, de Paul Schrader

Paul Schrader, mestre na nobre arte de dar murro em ponta de faca, pergunta se há redenção possível a alguém que passou pela extrema direita. A fábula ao centro de Master Gardener, que encerra a peculiar trilogia bressoniana iniciada em Fé Corrompida e O Contador de Cartas, é um sopro nada bem vindo de esperança em um mundo dividido e afundado em constatações duras. Schrader sabe disso e mesmo assim navega contra a maré, alimentando uma narrativa de exumação que mora inteira na performance de Joel Edgerton. A piada vem fácil, mas o filme manuseia com maestria um buquê de rosas delicadas e cheias de espinhos.

11) O Mal Não Existe, de Ryusuke Hamaguchi

Uma surpresa que Ryusuke Hamaguchi, depois de um primeiro momento de glória na carreira com Drive My Car, decidiu fazer uma fábula ecológica, que vai da comédia à tragédia em um estalar de dedos. Os fantasmas do cinema dele ainda estão em O Mal Não Existe, mas envoltos em uma lógica que reforça o alerta da história a partir das situações absurdas que os burocratas propõem na trama com naturalidade. Hamaguchi segue na crista da onda, e a diversificação bem sucedida de seu estilo é talvez a melhor notícia do ano.

10) O Dia que te Conheci, de André Novais Oliveira

O Dia que te Conheci intriga porque ele soa como um avanço mesmo que dentro de uma proposta muito bem sucedida de cinema. O novo filme de André Novais Oliveira não é tão diferente do que ele e a Filmes de Plástico fizeram em belas obras como Temporada e Marte Um, mas o seu conto de amor é um refinamento dessa poesia suburbana que eles já desenvolvem há algum tempo. Ele representa alguma maturidade, gerada nesses pequenos contratempos formados em uma rotina ao mesmo tempo muito pacífica e muito apertada. Vai sem dizer, mas Renato Novaes e Grace Passô traduzem tudo em atuações sublimes.

9) Não Espere Muito do Fim do Mundo, de Radu Jude

Outro niilista desencantado com os dias de hoje, o romeno Radu Jude já há alguns anos ensaia o que este Não Espere Muito do Fim do Mundo atinge com imensa precisão. Apesar do título, o apocalipse do filme é desesperador, até porque não há tempo para sofrer e sim para trabalhar. Não à toa, existe um saudosismo bem irônico sobre o passado neoliberal do país: talvez ali, nos anos 1980, o mundo ainda tivesse alguma salvação em meio à sinfonia de metal. Agora, porém, a humanidade não poderia estar mais condenada, e não há reclamação revoltada nas redes sociais que nos salve da humilhação diária. O desfecho é saboroso na crueldade.

Escrevi sobre o filme.

8) Asteroid City, de Wes Anderson

A grande esfinge de 2023, Asteroid City segue um pequeno mistério em suas intenções. O filme discute luto, o passado, as artes ou o próprio cinema de seu diretor? Independente da resposta, a grande casa de bonecas que consagrou Wes Anderson parece conquistar um novo status aqui, que desperta o elogio rápido da maturidade artística. Pode até ser, mas eu ainda acho que a atual fase do diretor ainda será melhor apreciada e entendida. Enquanto isso, me deleito em todas as possibilidades, todas as dores, todas as recompensas que só um filme como este proporciona.

Está no aluguel digital.

7) Crescendo Juntas, de Kelly Fremon Craig

Ainda em amadurecimento, a comédia Crescendo Juntas é outro feito. Kelly Fremon Craig de novo aproveita ao máximo a influência de James L. Brooks para construir um mural sobre a experiência de crescer enquanto mulher, partindo de uma adaptação por si só desafiadora. Até porque o quê religioso da trama escapa do convencional, atingindo uma questão de pertencimento bastante universal à adolescência. No mais, é muito bonito ver um filme que aproveita o máximo potencial de Rachel McAdams.

Está na HBO Max.

6) Batem à Porta, de M. Night Shyamalan

Shyamalan retorna ao fim do mundo — e a Fim dos Tempos — para lidar com as dores causadas pela pandemia. Batem à Porta é muito bonito enquanto adaptação — sigo achando o final melhor que o do livro — , é muito bonito enquanto cinema — o diretor nunca esteve tão afiado na encenação e aproveita ao máximo os talentos de Dave Bautista — e é muito bonito enquanto resolve o nosso luto coletivo. Que bom.

Escrevi sobre o filme. Está no Globoplay.

5) The Sweet East, de Sean Price Williams

Sean Price Williams constrói uma jornada pelos Estados Unidos como um imenso buraco de Alice, e a partir daí constrói um universo de relações pela imagem. Hoje em dia virou sinônimo de ofensa, mas The Sweet East é uma montanha-russa de cinema que comove no humor e na acidez, até porque parte de Talya Rider e de como sua personagem submete todos à sua volta. O elenco de apoio está à altura do texto mordaz, e o diretor sabe como aproveitar todos os prazeres da estética que desenvolveu ao longo dos anos para gente como os Safdie e Abel Ferrara.

4) Showing Up, de Kelly Reichardt

Showing Up é o filme do artista em reta final de projeto, mas também sobre como o estresse pessoal é formado das coisas mais mínimas. Depois de tantos anos, a parceria da diretora Kelly Reichardt com a atriz Michelle Williams rende um filme que subexiste em como uma filma a outra, com ambas atentas no quão delicado esse exercício pode ser. A imagem do pombo machucado define a obra, mas tudo ao redor fascina e impulsiona a narrativa até o seu clímax, um grande respiro de alívio que vem a custo de tudo. Como algo tão particular pode ressoar para outros tantos campos é desses mistérios que a arte do cinema oferece a partir de filmes assim.

3) Segredos de um Escândalo, de Todd Haynes

A tragédia no centro de Segredos de um Escândalo mora nos detalhes. Todd Haynes parte de uma premissa que lembra Persona, mas investe tudo no melodrama para realçar o jogo de poder aos olhos do público. O resultado é de arrepiar, em especial porque o trio de protagonistas entende a linha fina que divide a bondade da crueldade — o personagem de Charles Melton, coitado, mais do que ninguém. Eu acho fortuito que o filme tenha saído no mesmo Festival de Cannes que o de Assassinos da Lua das Flores, porque a provocação final de Haynes é parecida com a de Scorsese. A diferença, no caso, é que apenas um entende que o jogo está perdido antes mesmo da câmera rodar.

Nos cinemas em janeiro.

2) John Wick 4: Baba Yaga, de Chad Stahelski

O primeiro John Wick pode ter reorientado o cenário do cinema de ação, mas a trilogia de continuações que Chad Stahelski e Keanu Reeves construíram depois é de um nível que beira ao sobrenatural. Este quarto capítulo, que em tese encerra a história, é tecido como um épico digno dos poemas de Homero, embebido da escala dos filmes de David Lean e da comédia do cinema de Buster Keaton. Tudo isso é muito complicado de se executar, sobretudo a serviço de uma trama que serve de grande parque de diversões para a dupla executar as cenas de briga mais enlouquecedoras da última década. John Wick 4 é um paraíso na forma de um inferno, sendo tudo aquilo que tanto se elogiou ao longo deste ano — e que parece esquecido agora, como sempre bem a tempo das premiações nobres. A lógica de deuses e homens da história é elevada à máxima potência, e a narrativa reconhece o protagonista como parte extraordinária de uma engrenagem maior e cruel, ilustrada em veteranos como Donnie Yen e Hiroyuki Sanada. Uma epopeia, portanto, e uma que na escala e na ambição entra para a história.

Conversei com Keanu Reeves. Está no Prime Video.

1) Afire, de Christian Petzold

Eu provavelmente estou citando palavras do próprio Christian Petzold, mas Afire está a serviço das dores do autor que busca escapar da própria sombra. Essa é uma forma simples de resumir o filme, uma comédia com ares de Éric Rohmer que trabalha o desconforto pelo humor de constrangimento até se deparar com a tragédia que acoberta. O longa também é um romance com pinceladas de voyeurismo, o que faz sentido considerando que ele fecha uma trilogia com Undine e Em Trânsito que é dedicada a Paula Beer, musa sucessora de Nina Hoss no cinema do alemão — e que está mais uma vez sensacional aqui, junto de Thomas Schubert.

O que impressiona é como tudo isso coexiste enquanto Petzold ainda constrói o espaço daquela casa de verão habitada pelos personagens. Afire é um globo de neve prestes a ser destruído, um choque de realidade a um protagonista que vive como rei do mundo até ser jogado ao chão pelas circunstância. Criar um mundo para destruí-lo é a obsessão de qualquer artista, mas para Petzold é um projeto de cinema que há anos já nos destrói. Agora, o diretor encontrou um novo ápice, que por acaso representa um fim e um recomeço de sua arte — e que curioso que isso aconteça por uma história assim, tão consciente de si mesma. Afire é um filme visceral, uma experiência que destrói para reconstruir.

Outras edições

De volta à estaca zero. Feliz 2024!

--

--

Pedro Strazza de Azevedo

Jornalista, repórter da Ilustrada e autor do Aventuras no Cinema. Ex-editor-chefe do B9, já colaborou para Omelete, Tangerina, Sesc e o podcast Cinemático.